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CENTRAL NUCLEAR DE FUKUSHIMA


1979 - Estados Unidos, Three Mile Island

1986 - Ucrânia, Chernobyl

2011 - Japão, Fukushima

Japão e Alemanha Rejeitam o Risco Nuclear

 
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Desde a o início da operação de Usinas Nucleares, os três mais importantes acidentes aconteceram distribuídos dentro de um intervalo de mais de 30 anos.  Mesmo assim, alguns países como a Suécia e mais recentemente a Alemanha e o Japão estão recuando e desistindo de priorizar as centrais nucleares em sua matriz energética.
Quando se toma uma decisão pela a aceitação ou não de um risco, o primeiro item que deve ser analisado é se realmente o risco em questão é necessário.  Afinal, se o risco não é necessário, também não importa muito o seu valor e consequências, pois a melhor regra é não aceitá-lo e assumir apenas os riscos absolutamente indispensáveis, que já são muitos em todos os empreendimentos tecnológicos e demandam considerável gerenciamento técnico.
Antes de determinar o fim das atividades de centrais nucleares em seu território, a Alemanha já era um dos maiores detentores de tecnologia em projetos nesta área.  Suas usinas não estão relacionadas na lista dos grandes acidentes e nem os vários projetos alemães para usinas espalhadas pelo mundo.  Tecnologicamente os projetos alemães de centrais nucleares utilizam o que há de melhor em termos de segurança, com redundâncias de sistemas críticos, lógicas e intertravamentos sofisticados e proteção em profundidade que inclui até 6 camadas de segurança para proteger os maiores perigos para uma central nuclear.  Mesmo assim, a decisão foi de não aceitação do risco nuclear.
Outros países como a França e os Estados Unidos mantém e até ampliam seus programas de geração de energia por centrais nucleares.  A França inclusive assumiu parte das empresas alemães que detinham alta tecnologia na área de projetos de centrais nucleares.  A opção francesa é produzir energia nuclear e vendê-la inclusive para aqueles que desistiram ou recuaram nesta indústria.  Já os Estados Unidos, que passaram pela experiência de enfrentar um dos 3 maiores acidentes nucleares (Three Mile Island em 1979) chegou a demonstrar alguma hesitação nas décadas subsequentes ao acidente, mas retomou novos investimentos no desenvolvimento de usinas nucleares mais seguras e possui novos conceitos de projetos em andamento.

Central Nuclear de Three Mile Island - USA

Toda decisão sobre a aceitação ou não de um risco envolve uma parcela subjetiva, associada a imprevisibilidade em que tudo acontece na natureza.  Mesmo com as análises quantitativas e qualitativas de risco, os dados estatísticos e os modelos matemáticos que permitem variados tipos de simulações sobre a segurança dos empreendimentos tecnológicos, a decisão final incluirá sempre uma parcela de subjetividade por conta do fato que risco zero absoluto não existe, e por menor que seja o valor do risco calculado, se aceito assume-se também as consequências advindas dessa decisão caso essa pequena possibilidade se torne realidade em forma de acidente.
Isso serve para qualquer análise de risco.  A diferença é que as consequências de um acidente nuclear tem se mostrado inaceitáveis logo após cada um dos 3 grandes acidentes registrados na indústria nuclear (Three Mile Island, Chernobyl e Fukushima).  Os projetos e operações seguem com o firme conceito de que os números das análises quantitativas de risco estão corretos.  Mesmo havendo em teoria alguma possibilidade de acidente (calculada como remotíssima), quando as autoridades e a sociedade aceitam o risco nuclear acreditam de forma subjetiva e sem base matemática que essa possibilidade remotíssima jamais irá virar realidade.  Aí está o ingrediente de subjetividade sempre presente em aceitação ou não de riscos.

Central Nuclear de Chernobyl - Ucrânia

A sociedade japonesa, tecnológica e com alto nível de educação, sempre entendeu a necessidade de conviver com os riscos de centrais nucleares.  Acostumada com as adversidades impostas pela natureza, enfrentar catástrofes com respostas de engenharia e tecnologia faz parte da cultura japonesa.  Depois do acidente na central nuclear de Fukushima tanto as autoridades, como a população e até mesmo as empresas responsáveis parecem reconhecer que talvez seja melhor o recuo.  O acidente que aconteceu recentemente superou todos os cenários previstos nas análises quantitativas de risco, mostrando que os cenários postulados como possíveis de gerar um acidente foram subestimados ainda na fase de projeto.  Diante das consequências do acidente (algumas ainda imprevisíveis), percebe-se que irão impactar o Japão e o Planeta por longo tempo .  A sociedade japonesa tem manifestado o anseio pelo “risco zero” em relação à segurança nuclear, como já aconteceu na Suécia e na Alemanha que optaram por encerrar suas atividades nessa área.  Apresentamos a seguir 3 dos principais pontos decorrentes do acidente de Fukushima que levam a reflexão sobre a necessidade de “risco zero” em relação à segurança nuclear:


1 - Acidentes de Origem Externa (Terremoto, Maremoto e Terrorismo)

Centrais nucleares, inclusive as nossas em Angra, são projetadas para os chamados acidentes de origem externa que são identificados tecnicamente pela sigla em alemão “EVA” (Einwirkungen von außen).  Em Angra por exemplo, existem as seguintes premissas de proteção contra terremotos:
  • Proteção Contra Terremoto de Projeto: Terremoto de máxima intensidade que ocorreu no passado, dentro de uma área em torno com raio máximo de aproximadamente 50 km
  • Proteção Contra Terremoto de Segurança:  Terremoto de máxima intensidade que possa vir a ocorrer considerando-se uma área em com raio máximo de aproximadamente 200 km.
  • Efeito Combinado:  Terremoto de segurança acrescido de onda de choque causada pela explosão de vaso de pressão convencional  integrante da usina em consequência do terremoto de segurança
A central de Angra possui ainda redundâncias de fontes de água de refrigeração e proteção contra maremoto, atos terroristas e até queda de aeronave sobre a central.  Apesar de se tratar de um projeto mais antigo, Fukushima também foi projetada para acidentes do tipo EVA, mas não resistiu ao terremoto de março de 2011 conforme esperado.  Três podem ter sido as causas:
  •  Os cálculos sobre os fenômenos naturais podem ter sido subestimados
  • As instalações podem ter sido construídas abaixo do nível de dimensionamento projetado
  • A gestão ou manutenção não foi adequada degradando as camadas de defesa
Independente de qual destas tenha sido a causa, qualquer delas demonstra a vulnerabilidade da segurança nuclear e levanta a suspeita de que os resultados teoricamente precisos das análises quantitativas de risco chegaram a números muito inferiores do que os riscos reais, o que sugere o questionamento destas técnicas de cálculo e projeto.

Explosão na Central de Fukushima - Japão

2 - Acidentes com Perda de Refrigerante (Liberação de Radioatividade)

Centrais nucleares são projetas com até 6 camadas de segurança para proteger o ambiente externo de acidentes com a liberação de radioatividade por perda de refrigerante do reator.  Estes acidentes são os mais temidos pelos projetistas de centrais nucleares e são conhecidos pela sigla em inglês “LOCA” (Loss-of-Coolant Accident).  Por serem tão fundamentais para a segurança de um projeto de central nuclear, o LOCA também é chamado de “acidente básico de projeto”.  É o acidente para o qual todo o projeto é direcionado para evitá-lo.  Outros acidentes também podem gerar a liberação indesejável de radioatividade para o meio ambiente, mas o que estabelece maior risco e maior quantidade de radioatividade liberada em curto espaço de tempo é o LOCA.
Em Fukushima, mesmo com as camadas de proteção e contenção, as dificuldades de disponibilidade de energia para manter o núcleo refrigerado resultaram no aumento de pressão no vaso do reator e finalmente o acidente de LOCA.  É surpreendente para toda a comunidade nuclear, que mesmo tendo havido um terremoto e um tsuname de grandes proporções, uma central nuclear tenha se degradado a esse nível.  Afinal a grande “propaganda” da segurança nuclear é a de trabalhar assegurando a proteção mesmo nos cenários mais extremos como catástrofes naturais.  Foram poucas as vezes no mundo em que a engenharia nuclear foi submetida a uma prova real de sua eficiência como aconteceu em Fukushima.  Infelizmente para a sociedade japonesa, boa parte das autoridades e comunidade técnica, a segurança nuclear foi reprovada no evento real para o qual foi projetada.

Manifestações contra Centrais Nucleares - Japão

3 - Efeitos da Contaminação e Radioatividade

Muitos que defendem as vantagens da opção por geração termonuclear destacam que as centrais nucleares causam menor impacto ambiental do que as usinas térmicas e hidroelétricas.  Em defesa das centrais nucleares, estas muitas vezes são identificadas como uma opção para a geração de “energia limpa” já que não queimam combustíveis fósseis.  Esta é uma verdade, ou parte dela pois tecnicamente a afirmação correta deveria acrescentar mais uma palavra:  “energia lima de carbono”.
As centrais nucleares geram os rejeitos convencionais de qualquer instalações industriais como lixo industrial, sucata, efluentes líquidos e gasosos.  Até mesmo emissões decorrentes da queima de combustível fóssil são normais em centrais nucleares devido aos subsistemas como os de geração de emergência que utilizam grandes geradores que queimam óleo diesel.  Mas quando comparadas com as usinas termoelétricas convencionais, a emissão de gases resultantes da queima de combustível fóssil realmente é muito inferior nas centrais nucleares.
O problema é que usinas nucleares possuem para cada um destes tipos de rejeito, convencional outro similar porém contaminado por radioatividade.  Assim, além dos rejeitos convencionais que são produzidos com menor impacto ambiental do que por outras tecnologias, as centrais nucleares a cada ciclo geram efluentes líquidos radioativos, gasosos radioativos, lixo industrial radioativo, sucata radioativa, etc.  Isso sem contar com o próprio elemento combustível queimado que possui produtos de fissão radiotivos com meia vida de até 45 mil anos que sequer existem na natureza.
Para todo esse rejeito, a engenharia nuclear forneceu uma resposta senão definitiva pelo menos gerenciável.  As usinas gastam elevadas somas para tratar e encapsular rejeito radioativo e depois estocá-lo indefinidamente pois até o momento a ciência e a tecnologia não possuem uma solução para o processamento definitivo de rejeito radioativo.  A quantidade de rejeito radioativo que é produzida, tratada, estocada e gerenciada pelas centrais nucleares já demanda grandes preocupações para a comunidade técnica e sociedade em geral.
Acrescentando-se ao problema do rejeito nuclear ao longo da vida operacional das centrais, os efeitos de uma desastrosa liberação de radioatividade decorrente de acidentes como o da central de Fukushima elevam os riscos e consequências  para níveis tecnicamente ingerenciáveis.  A sociedade, as autoridades e principalmente as populações mais próximas de usinas acidentadas como aconteceu no Japão, despertam para o fato que o “risco zero” deveria ser adotado em relação ao verdadeiro terror que é o impacto de acidentes dessa ordem sobre a sociedade.  Os efeitos de acidentes desse porte alteram o background de radioatividade do planeta, ou seja, estações de medição em todo o mundo registram os efeitos da pluma radioativa de acidentes desse tipo, seja no mar, na atmosfera, alimentos e nas pessoas sob a forma de incidência de doenças como o câncer.
Diante do realismo dos fatos, mesmo a sociedade japonesa com elevado nível de cultura científica e adaptados ao mundo tecnológico, demonstram reconhecer os limites da natureza que devem ser respeitados.  Agora o Japão clama pelo desligamento das centrais nucleares em todo o país.  Busca novas opções para sua matriz energética tão dependente e limitada.   
Talvez seja necessário reconhecer que a ciência e a tecnologia ainda não estão totalmente preparadas caso centrais nucleares sofram acidentes dessa gravidade, mesmo que raros.  O conceito de “risco zero” de acidente nuclear se reforça.  E “risco zero” significa em termos práticos a não aceitação de risco, ou seja, a não aceitação de centrais nucleares.  Se isso ainda não foi viabilizado no Japão, o mais provável é a falta de opção imediata.  Para os países que possuem opções alternativas para suas matrizes energéticas, como por exemplo o Brasil, o “risco zero” é viável e depende da parcela de subjetividade sempre presente em toda decisão por aceitação ou não de um risco.

O sucesso de um empreendimento tecnológico está associado ao respeito aos fatores humanos, ambientais, econômicos e sociais que estão sob sua influência. Bons valores estabelecem a boa Cultura de Segurança !