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MANIFESTAÇÕES, PROTESTOS E MOVIMENTAÇÃO DE PESSOAS



É POSSÍVEL CONTROLAR MULTIDÕES ?


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Uma pessoa pode decidir sair e voltar sozinha para conhecer um palácio de governo ou prédio público de valor histórico e turístico. Várias pessoas podem decidir fazer isso em família ou até em um grupo maior, numa excursão. Mas quando centenas de milhares de pessoas decidem fazer um mesmo trajeto num mesmo momento, ocupando uma determinada área urbana, elas também decidem formar um cenário de risco muito mais elevado e não usual, para o qual as cidades nunca estarão totalmente preparadas. As autoridades e os participantes dessas grandes manifestações devem estar conscientes dessa realidade e entender que cada ação neste cenário, tanto no sentido de deter como no sentido de ampliar o fenômeno, pode escalonar o processo até chegar a uma indesejável catástrofe.

COMPORTAMENTO DA MULTIDÃO

(O GRUPO ADQUIRE UMA PERSONALIDADE) 

 

Quando uma pessoa vai sozinha a um local público semelhante aos escolhidos para as manifestações e protestos, ela tem seu próprio objetivo, trajeto, horários de permanência e motivações. Quando a visita é feita por um grupo familiar, estes aspectos precisam ser compartilhados e negociados para que o grupo permaneça efetivamente como um grupo. Um grupo ainda maior, como acontece numa excursão, exige uma monitoração mais efetiva do objetivo, do trajeto e dos horários porque o controle do grupo torna-se bem mais difícil. Mesmo assim é totalmente normal a convivência entre indivíduos, famílias e grupos de excursão no dia a dia destes espaços urbanos. É possível notar, pela simples observação, que cada indivíduo, família ou grupo adquire um comportamento, ou uma “personalidade” própria, baseada nos diferentes objetivos, trajetos e tempos, ainda que esta personalidade seja momentânea.

Um cenário completamente diferente é aquele em que milhares de pessoas possuem a motivação coletiva para ocupar uma determinada área pública formando uma grande multidão. Neste caso continua valendo a mesma necessidade de negociação mínima de objetivos, trajetos e horários, para viabilização da convivência, só que, ao invés dos interesses de alguns familiares ou de um grupo de turistas, milhares de interesses individuais estarão envolvidos, alguns ocultos e outros desconhecidos e até imprevisíveis. Grandes multidões possuem muito pouco em comum quando analisadas sob o ponto de vista individual. Mas talvez, o mesmo motivo que os agrega também acabe por ocultar perigosamente as diferenças entre os indivíduos, fazendo com que as multidões não percebam os riscos latentes que podem rapidamente transformar um ambiente pacífico em um caos. Podemos dizer que multidões possuem paradoxalmente uma “personalidade coletiva”, momentânea, baseada nos objetivos, trajetos e horários. Essa personalidade é extremamente instável e assim como acontece com algumas pessoas, pode mudar rapidamente de temperamento e transformar um grupo pacífico em caótico numa fração de tempo.


MULTIDÕES SE DESLOCAM SEMELHANTEMENTE AOS FLUIDOS


O comportamento de multidões em relação à movimentação das pessoas pode ser, por analogia, comparado ao comportamento de um fluido. Assim como os fluidos sofrem perdas de cargas ao se deslocarem pelos dutos, grandes grupos também encontram resistências quando precisam passar por obstáculos, portões e corredores. Mesmo as grandes avenidas, funcionam como dutos quando estão ocupadas por milhares de pessoas. Outra semelhança pode ser observada quando comparamos um fluido derramado sobre uma superfície inclinada com uma multidão em uma avenida íngreme. A tendência é o deslocamento no sentido de descida, subir é sempre mais difícil. Quanto mais largas as ruas e portões, maior a fluidez do deslocamento. Quanto mais obstáculos existirem e mais estreitos forem os caminhos, maior será o “atrito”, a turbulência e isso irá se propagar para a vizinhança até o ponto em que o deslocamento se interrompe como numa tubulação entupida, gerando “transbordamento” em algum outro ponto o que em termos de segurança significa um cenário de alto risco de danos aos indivíduos.



REAÇÕES PREVISÍVEIS 


Como cada indivíduo tem um mundo de interesses pessoais ocultos, a qualquer momento, qualquer indivíduo, a partir de um motivo inesperado pode deflagrar um processo de perturbação para o “fluido” (grupo). Pode ser um esbarrão, um estrondo mal interpretado, uma palavra de ordem inadequada. O grupo, que reage como um “fluido”, pode acomodar a perturbação ou não. Os fatores para essa perturbação evoluir e gerar uma situação de caos são tão subjetivos, variados e complexos que estabelecem duas premissas fundamentais:

  • Não é possível prever exatamente quando e se irá ou não acontecer um distúrbio como esse;
  • Este risco latente é tão previsível que os indivíduos que compõe o grupo naturalmente já se revestem de uma postura de estado de alerta, sobressaltada, o que piora ainda mais o perigo de uma reação mal dimensionada frente a um distúrbio, o que agrava ainda mais o cenário de risco. 

 

CONTROLES EFICIENTES


Algumas estratégias de controle podem propiciar uma maior eficiência na gestão dos riscos que envolvem os grandes agrupamentos humanos, reduzindo as chances de uma catástrofe:


  • Áreas de Escape – O entorno das aglomerações deve possuir pelo menos 3 áreas abertas, amplas e livres para prover o deslocamento rápido de grande quantidade de pessoas. As autoridades devem assegurar através de monitoração pelo menos 3 grandes áreas de escape equidistantes (distribuídas aproximadamente em ângulos de 120 graus). Além disso, todas as demais saídas devem ser também monitoradas no sentido de reduzir os obstáculos para o caso de uma eventual emergência e correria.
  • Observação da “Personalidade Coletiva” – Especialistas treinados devem acompanhar as aglomerações e grandes grupos a partir de pontos estratégicos ou helicópteros e avaliar o comportamento do grupo em relação ao evento em andamento. É importante perceber se o grupo se desloca em maior ou menor velocidade, numa ou noutra direção, analisar se há tendência de mudança de temperamento por esses indicativos e assim antecipar ações como relocar efetivo policial e abrir novas áreas de escape. Também é muito importante o conhecimento sobre a motivação para a formação do grupo, o acompanhamento do discurso (caso haja sistema de sonorização), presença de fontes de ruídos como fogos de artifício, comportamento hostil, utilização de objetos / armas. Entender o comportamento motivacional do grupo pode auxiliar no exercício de antecipação dos movimentos das grandes massas, permitindo ações antecipatórias menos hostis, mais apaziguadoras e mais eficientes.
  • Prover Meios de Comunicação – Uma grande multidão pode subitamente tornar-se caótica por inúmeras razões. Um simples ruído mal interpretado pode provocar pânico e em meio a uma multidão assustada. Não há, para os indivíduos, praticamente nenhuma noção do todo sendo pouco o entendimento sobre o que está de fato acontecendo. Numa situação como essa pode fazer grande diferença um meio de comunicação eficiente como alto-falantes potentes, para fornecer orientação por aqueles que possuem visão privilegiada (por exemplo, de um helicóptero). Assim, um distúrbio local pode ser restringido através da orientação das autoridades, evitando que toda a multidão seja impactada por uma situação de pânico e descontrole generalizado.
  • Interfaces Críticas – Eventos com formação de multidões em grandes espaços urbanos acabam estabelecendo interfaces entre indivíduos da multidão e forças de controle como policiais, bombeiros, seguranças e mesmo com obstáculos físicos como vitrines, monumentos, prédios, muros que podem ser avariados ou destruídos. Geralmente, nestas interfaces é que ocorrem as perturbações que podem gerar o descontrole e o pânico na multidão. Estas interfaces acabam se tornando um objetivo para parte da multidão que encontra nelas um símbolo de resistência a ser vencido. Esse é um comportamento que precisa ser monitorado na “personalidade coletiva” que caracteriza o grupo. Nas interfaces críticas, a intimidação e a ameaça podem ser interpretadas pela multidão como uma provocação acirrando ainda mais os ânimos, trazendo riscos e dificuldades ainda maiores. A melhor estratégia de controle nestas interfaces é considerar a multidão como um “fluido” a ser escoado, ou seja, quanto menos fatores psicológicos e provocativos estiverem presentes nas interfaces críticas, melhor. Até mesmo a imagem, letreiros, avisos e sua visualização nestas interfaces podem se tornar um elemento efetivo de provocação. A ênfase nas estratégias a serem utilizadas nas interfaces críticas deve ser o emprego de resistência passiva, isenta de aspectos provocativos, com base em elementos físicos como altura de contenção, profundidade de fosso, resistência mecânica das barreiras, etc, sempre com o objetivo de desanimar aqueles que queiram superar esses limites e prover assim o fluxo natural do grupo, como se fosse um “fluido” a se deslocar para as vias mais amplas e menos desanimadoras.

 SOLUÇÃO PERFEITA


Nada em engenharia possui uma solução absolutamente perfeita. Mas todo engenheiro nunca deve desistir desse objetivo utópico. No caso de grandes multidões, principalmente em manifestações sociais, a “solução perfeita” seria a eliminação da motivação coletiva que une indivíduos totalmente diferentes a um mesmo objetivo, trajeto e horários ocupando assim imensas áreas públicas com milhares de pessoas gerando situações diversas de risco.

A motivação coletiva de uma multidão é sempre alimentada por determinados fatores como a expectativa por um artista num grande show, a satisfação pela vitória de um clube durante um jogo de futebol, o desfrutar do sol e do mar nas lindas praias do litoral brasileiro. Para eliminar a motivação coletiva de uma multidão é preciso eliminar também os elementos fundamentais que a caracterizam. Se o artista vai embora ninguém mais permanecerá na arena de show, se os jogadores se retiram os torcedores também deixarão o estádio, e se o sol se pôs a praia já não mais agregará multidões.

No caso das recentes manifestações sociais e protestos no Brasil, essa motivação coletiva está associada à corrupção, péssimos serviços públicos e gastos abusivos dos recursos públicos. Se a cada notícia da mídia se renovam as suspeitas de corrupção, se a cada dia de trabalho o transporte e serviços públicos se mostram precários e se a cada escândalo se confirma o desperdício do dinheiro público, para as multidões que protestam é como se os artistas do mal nunca saíssem do palco, como se os jogadores da injustiça nunca se cansassem de jogar, como se o sol que ilumina o oceano de injustiças nunca saísse da posição de meio dia.

O sucesso de um empreendimento tecnológico está associado ao respeito aos fatores humanos, ambientais, econômicos e sociais que estão sob sua influência. Bons valores estabelecem a boa Cultura de Segurança !