Acidente com Airbus A320 da Germanwings
Segurança Aérea e Fatores Humanos
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Gerardo Portela, autor do livro Gerenciamento de Riscos Baseado em Fatores Humanos e Cultura de Segurança, foi entrevistado pela Jornalista Mariana Guimarães da Agência Elsevier de Notícias.
Os dados preliminares da segunda caixa preta, recuperada entre os destroços do Airbus A320 da Germanwings, mostram que o piloto automático da aeronave foi aparentemente ajustado para uma descida anormal, abrupta. Além disso o informe oficial da BEA, agência européia que participa da investigação, também revela que a velocidade da aeronave foi aumentada mais de uma vez durante esta descida. Esses elementos fortalecem a hipótese de ação intencional, deliberada do co-piloto. É preciso cautela porque há situações de emergências com perda de sustentação da aeronave onde os procedimentos recomendam o aumento de velocidade e um co-piloto inexperiente pode ter aplicado essa recomendação de forma indevida. Além disso, uma falha técnica do avião ou uma falha de pilotagem pode levar um co-piloto inseguro a multiplas ações indevidas para solucionar a emergência, o que necessariamente não significa um suicídio. Pressionado pelas circunstâncias, um co-piloto inexperiente e despreparado pode se sentir obrigado a corrigir a situação de emergência sem a percepção do real limite de tempo disponível para estas correções. É preciso considerar também o nível de cultura de segurança da empresa aérea, o clima e o ambiente de relacionamento na cabine. Um co-piloto iniciante que perceba que cometeu um erro grave pode tentar, desesperadamente, esconder esse fato em meio a tentativas pessoais de restauração do controle do voo. As investigações preliminares mostram a importância e o peso das ações humanas nos acidentes aéreos o que se aplica também a outros tipos de acidentes.
Alguns especialistas defendem a estratégia de elevação da automação para que os aviões passem a ser operados remotamente, sem tripulação. Esta seria uma opção para reduzir a influência dos fatores humanos na ocorrência de acidentes. Mas é evidente que uma aeronave não tripulada também estará sujeita às falhas de monitoração que podem ocorrer do trabalho de um controlador humano em terra. Isso significa que aviões não tripulados não estarão completamente isentos da influência de fatores humanos. Esse conceito pode ser avaliado como ainda mais perigoso se considerarmos a questão do terrorismo, pois não seria necessário um terrorista suicida para promover a queda de um avião não tripulado, bastando uma ação contundente a partir do controle de terra ou ainda a interferência nos sinais de telemetria através da ação de hackers. Na entrevista publicada pela Agência Elsevier e exibida a seguir, o especialista em gerenciamento de riscos conta como novas tragédias poderão ser evitadas na aviação em um futuro próximo.
Gerardo Portela, autor do livro Gerenciamento de Riscos Baseado em Fatores Humanos e Cultura de Segurança, foi entrevistado pela Jornalista Mariana Guimarães da Agência Elsevier de Notícias.
Os dados preliminares da segunda caixa preta, recuperada entre os destroços do Airbus A320 da Germanwings, mostram que o piloto automático da aeronave foi aparentemente ajustado para uma descida anormal, abrupta. Além disso o informe oficial da BEA, agência européia que participa da investigação, também revela que a velocidade da aeronave foi aumentada mais de uma vez durante esta descida. Esses elementos fortalecem a hipótese de ação intencional, deliberada do co-piloto. É preciso cautela porque há situações de emergências com perda de sustentação da aeronave onde os procedimentos recomendam o aumento de velocidade e um co-piloto inexperiente pode ter aplicado essa recomendação de forma indevida. Além disso, uma falha técnica do avião ou uma falha de pilotagem pode levar um co-piloto inseguro a multiplas ações indevidas para solucionar a emergência, o que necessariamente não significa um suicídio. Pressionado pelas circunstâncias, um co-piloto inexperiente e despreparado pode se sentir obrigado a corrigir a situação de emergência sem a percepção do real limite de tempo disponível para estas correções. É preciso considerar também o nível de cultura de segurança da empresa aérea, o clima e o ambiente de relacionamento na cabine. Um co-piloto iniciante que perceba que cometeu um erro grave pode tentar, desesperadamente, esconder esse fato em meio a tentativas pessoais de restauração do controle do voo. As investigações preliminares mostram a importância e o peso das ações humanas nos acidentes aéreos o que se aplica também a outros tipos de acidentes.
Alguns especialistas defendem a estratégia de elevação da automação para que os aviões passem a ser operados remotamente, sem tripulação. Esta seria uma opção para reduzir a influência dos fatores humanos na ocorrência de acidentes. Mas é evidente que uma aeronave não tripulada também estará sujeita às falhas de monitoração que podem ocorrer do trabalho de um controlador humano em terra. Isso significa que aviões não tripulados não estarão completamente isentos da influência de fatores humanos. Esse conceito pode ser avaliado como ainda mais perigoso se considerarmos a questão do terrorismo, pois não seria necessário um terrorista suicida para promover a queda de um avião não tripulado, bastando uma ação contundente a partir do controle de terra ou ainda a interferência nos sinais de telemetria através da ação de hackers. Na entrevista publicada pela Agência Elsevier e exibida a seguir, o especialista em gerenciamento de riscos conta como novas tragédias poderão ser evitadas na aviação em um futuro próximo.
- O que poderia ter sido feito para evitar tal tragédia ?
Não é possível, ainda, saber o que exatamente aconteceu no Airbus A320 da Germanwings. Embora seja muito cedo para compor uma sequencia de fatos que explique por completo o acidente, algumas evidências objetivas já permitem a identificação de oportunidades de melhoria na segurança aérea de voos comerciais. Não somente este acidente, mas outros acidentes recentes como o do Airbus A360 da Air France (AF 447) e o do Boing 777-200-ER (MH 307 da Malaysian Air) mostram que a tripulação dos voos comerciais precisam ser mais atentamente observadas. A tripulação e, principalmente os pilotos, precisam ser avaliados não somente sob o ponto de vista técnico, mas também quanto a aspectos menos objetivos relacionados com a condição psicológica, comportamental e até cultural. Acidentes recentes mostram que os pilotos e os tripulantes podem ser tão mal intencionados quanto os passageiros. Se motivações terroristas podem gerar preocupações quanto aos passageiros, pilotos e tripulantes também não estão isentos destas e outras suspeitas. Agrega-se a isso o fato de pilotos e tripulantes possuírem privilégios muito superiores aos dos passageiros comuns para intervir e provocar um acidente. Até mesmo a revista de acesso às aeronaves tende a ser menos rigorosa para os pilotos e comissários e isso pode ser observado pelos registros das câmeras de segurança dos aeroportos.
Um outro aspecto importante é o cada vez mais elevado grau de
automação das aeronaves comerciais. Não que isto seja um ponto negativo,
pelo contrário, a automação tem facilitado o trabalho dos pilotos e
ajuda a corrigir falhas que podem levar a uma catástrofe. Porém há uma
polêmica relacionada ao distanciamento da consciência situacional dos
pilotos quanto ao voo, já que os parâmetros físicos, em sistemas de
elevada automação, são controlados diretamente pelos intertravamentos
lógicos do sistema de automação (mais pela máquina e menos pelo piloto).
Embora no treinamento e na formação de pilotos os princípios de voo
sejam valorizados, na prática os pilotos cada vez mais tornam-se
supervisores de um computador. Principalmente quando há uma emergência
ou uma discrepância de dados na qual a lógica de automação decida por
transferir o controle ao piloto, este tem que estar preparado para mudar
sua condição de controlador e observador. Justamente na condição de
crise é que o piloto é chamado a agir fisicamente e fazer a aeronave
voar da forma tradicional: operando diretamente a aeronave com base nos
princípios físicos de voo. Por isso podemos dizer que talvez seja
necessário limitar esse afastamento do piloto da prática de voo,
facilitado pelo elevado grau de automação. Este problema não é restrito
apenas à segurança aérea, mas também está presente em plantas de
processo petroquímico, geração elétrica, entre outros empreendimentos
tecnológicos que envolvem riscos consideráveis. Até mesmo no dia a dia
das pessoas esse conflito pode ser percebido. Os automóveis a cada dia
tornam-se cada vez mais automatizados. A tecnologia fly-by-wire, muito
mencionada como característica do Airbus A320, também está presente em
alguns automóveis de última geração. A diferença é que no caso dos
veículos, a maior parte dos problemas podem ser resolvidos parando o
carro no acostamento e chamando o reboque. No caso de uma aeronave,
comparando o piloto com o motorista, perder a automação em uma
emergência seria como perder a direção hidráulica, o câmbio automático,
os freios abs, os controles de estabilidade e tração exatamente na hora
do acidente, tendo que passar a dirigir o carro manualmente porém sem
direito a acostamento. Não haveria problema algum, se o motorista fosse
tão bom motorista de carros automáticos quanto de carros manuais e
mecânicos. Mas o paradoxo está no fato de que quanto mais se dirige
carros automáticos, ou pilota-se aviões em automático, menos prática se
acumula na operação manual / eletromecânica desses equipamentos.
- Como prevenir acidentes desse porte?
Os acidentes recentes têm mostrado que os pilotos e tripulantes
precisam ser cuidadosamente avaliados e observados porque podem ser tão
suspeitos quanto os passageiros, porém com um potencial destrutivo muito
superior por terem acesso irrestrito aos itens mais importantes para o
controle da aeronave. As companhias aéreas precisam rever o perfil de
requisitos dos pilotos, ampliando-o para contemplar aspectos que
alcancem até mesmo a vida pessoal destes profissionais. Talvez um
exemplo a ser seguido seja o da indústria nuclear. Para chegar a se
tornar um operador de reator nuclear um operador precisa ser aprovado
psicologicamente através de avaliações frequentes, ao longo de anos de
treinamento além, é claro, de toda a formação técnica tradicional e
específica para a engenharia nuclear. A IAEA – International Atomic
Energy Agency, bem como a WANO – World Association of Nuclear Operators
fiscalizam e exigem das autoridades de cada país que opera reatores
nucleares que o perfil dos operadores nucleares seja analisado e
avaliado frequentemente. Isso significa, por exemplo no Brasil, que
todos os operadores nucleares precisam se submeter a uma avaliação
psicológica no mínimo anual por parte da empresa que opera o reator
nuclear além de se submeter também a uma avaliação psicológica da CNEN –
Comissão Nacional de Energia Nuclear. Além disso, o operador tem
direito a ter um suporte psicológico independente, a sua escolha, para
si e demais membros de sua família. A empresa operadora oferece
incentivos para que o operador e sua família sempre possa ter acesso
facilitado ao acompanhamento psicológico independente, quando assim
deseje. Não raramente, operadores são afastados da operação direta da
sala de controle principal de usinas nucleares, devido a problemas
momentâneos como doenças de familiares ou conflitos em relacionamentos
pessoais. Nestes casos o operador nuclear pode ficar até 3 meses
distante da sala de controle principal sem a perda de sua licença de
operador nuclear, para então ser reavaliado e reintegrado em suas
funções originais. Durante esse afastamento o operador nuclear continua
trabalhando como qualquer outro trabalhador sem licença médica, porém
não exerce as atividades de alta responsabilidade relacionadas com a
operação da sala de controle principal de usinas nucleares.
Um outro aspecto importante na prevenção de grandes catástrofes
aéreas é o projeto conceitual da automação de aeronaves. Com o
desenvolvimento tecnológico os avanços na automação tem gerado alguma
polêmica e existem investigações recentes que indicam que a automação
excessiva pode, em alguns tipos de crise durante os voos, se tornar um
problema. Os engenheiros ao projetarem sofisticados sistemas de
automação para as aeronaves de última geração, precisam revisitar a
questão da necessidade dos pilotos efetivamente exercerem a atividade de
pilotagem em sua rotina de trabalho. Somente assim, pilotando de forma
efetiva os aviões na sua rotina de trabalho, os pilotos poderão manter
suas habilidades de voo e não somente com seções de simuladores que
ocorrem apenas algumas vezes por ano.
- Que tipos de equipamentos devem ser desenvolvidos para minimizar os acidentes aéreos?
Duas grandes mudanças deverão revolucionar a segurança aérea nos
próximos anos: primeiro o “NEXTGEN”(Next Generation Air Transportation
System), já em implantação nos USA, que trata-se de um novo sistema de
rastreamento por satélite e GPS (Global Positioning System) o qual
substitui o rastreamento por radares – tecnologia de mais de 60 anos de
uso; e segundo a minimização da comunicação via rádio entre pilotos e
controle aéreo através da comunicação por telemetria entre aeronave e
controle de voo.
Com o NEXTGEN as aeronaves irão ser monitoradas e orientadas de
forma dependente uma das outras. Não dependerão de seguir aerovias
(estradas virtuais no ar) onde os radares possam acompanhar o voo, pois o
rastreamento passa a ocorrer via satélite. Dessa forma, as aeronaves
podem ter muitas mais opções de rotas porque não dependerão do alcance
dos radares. Isso irá reduzir trajetos, reduzir consumo de combustível,
reduzir o distanciamento entre aeronaves, reduzir o tempo em terra entre
outras vantagens que ampliam a segurança e a eficiência. Atualmente as
informações sobre as condições meteorológicas são dependentes da análise
de dados provenientes de observatórios espalhados em todo o planeta. A
coleta e a avaliação de tantos dados provoca atrasos fazendo com que a
informação chegue ao piloto em voo muito próximo da aeronave enfrentar a
condição climática adversa. Com o NEXTGEN uma plataforma comum de dados
irá prover mapas metereológicos únicos, com o mínimo de atrasos,
acessíveis a todos os pilotos e controladores simultaneamente.
Também associada ao NEXTGEN, a comunicação de rádio entre pilotos
e controladores deverá ser reduzida e simplificada. Atualmente nos EUA
são empregadoscerca de 17 canais de comunicação de voz por rádio para
comunicação do piloto com os controladores e entre estações terrestres.
Com o novo sistema os canais serão reduzidos a um único canal de alta
confiabilidade. Uma outra mudança fundamental é a redução drástica da
comunicação por voz. A língua internacionalmente usada no controle aéreo
é o inglês, mas muitos pilotos e controladores não entendem as
mensagens devido aos diferentes sotaques, deficiências no idioma,
nervosismo durante emergências e qualidade da transmissão. Talvez, a
frase mais repetida na comunicação de voz entre pilotos e controladores
seja “repita, por favor”. Com o NEXTGEN a transmissão de dados de voo
entre aeronave e controladores será preferencialmente por telemetria e
os pilotos irão utilizar a comunicação por voz muito raramente, ou mesmo
nem precisarão utilizá-la (os aviões enviarão mensagens com os dados
necessários para o controle em terra). Muitas investigações de acidentes
concluem que informações cruciais para evitar alguns acidentes não
foram devidamente comunicadas por falha de entendimento entre pilotos e
controladores.
- Qual é o cenário da aviação brasileira atualmente no que diz respeito à segurança?
Alguns aeroportos brasileiros ainda carecem de equipamentos de
última geração para aproximação de aeronaves por instrumentos, como os
ILS (Instrument Landing System). Embora esteja em curso a modernização
dos sistemas, esse processo é lento e limitado a alguns aeroportos. O
Brasil está atrás apenas dos EUA na movimentação de aeronaves em seu
espaço aéreo, isso mostra a relevância da aviação civil brasileira.
Mesmo com um gigantesco espaço aéreo e um dos maiores tráfegos aéreos do
mundo, o Brasil ainda está muito distante de sistemas como o NEXTGEN.
Muito provavelmente as autoridades brasileiras irão responder
reativamente ao NEXTGEN, atualizando o sistema brasileiro na medida em
que esse revolucionário sistema se estabeleça nos EUA. O tráfego aéreo
brasileiro está em crescimento, influenciado pela ascensão de camadas da
população a este modal de transporte. O controle do espaço aéreo
brasileiro pode ser considerado seguro, mas tem vulnerabilidades que
justificam estudos de implantação de sistemas do nível do NEXTGEN. O
grande problema é a cultura de segurança brasileira. Para questões de
segurança relacionadas com a infraestrutura, os esforços para a solução
de problemas futuros óbvios, em geral, é adiada até o último momento
quando as consequências do problema já começam a serem percebidas. Isso
tumultua todos os processos de mudança, dificultando-os e elevando os
custos.
O
sucesso de um empreendimento tecnológico está associado ao respeito aos
fatores humanos, ambientais, econômicos e sociais que estão sob sua
influência. Bons valores estabelecem a boa Cultura de Segurança !